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Estamos mesmo livres?

  • Foto do escritor: Coletivo Maria da Glória
    Coletivo Maria da Glória
  • 13 de mai. de 2021
  • 3 min de leitura

Você consegue imaginar qual foi o cenário encontrado por pessoas negras escravizadas no Brasil depois da assinatura da Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888? Será que ainda faz sentido lembrar do dia da abolição da escravatura como uma data comemorativa digna de orgulho para nós, pessoas negras? Na música 14 de maio composta por Jorge Portugal e Lazzo Matumbi, eles nos convidam a voltar 133 anos atrás no tempo para olhar o nosso cenário social e político com os olhos dos nossos antepassados.


14 de Maio

(Lazzo Matumbi e Jorge Portugal)


No dia 14 de maio, eu saí por aí

Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir

Levando a senzala na alma, eu subi a favela

Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci


Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia

Um dia com fome, no outro sem o que comer

Sem nome, sem identidade, sem fotografia

O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver


No dia 14 de maio, ninguém me deu bola

Eu tive que ser bom de bola pra sobreviver

Nenhuma lição, não havia lugar na escola

Pensaram que poderiam me fazer perder


Mas minha alma resiste, meu corpo é de luta

Eu sei o que é bom, e o que é bom também deve ser meu

A coisa mais certa tem que ser a coisa mais justa

Eu sou o que sou, pois agora eu sei quem sou eu



Ao contrário do que foi ensinado por muitos livros didáticos e do que foi construído propositalmente pelo Estado brasileiro durante anos, a abolição não significou a libertação efetiva das populações escravizadas. Ainda pairava no imaginário da população em geral que pessoas escravizadas não eram gente, tudo isso devido as leis vigentes como a Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837, que proibia o acesso à educação para escravizados, e a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que tirava o direito de possuir terras.


Então diferente do que foi descrito pelo escritor brasileiro Machado de Assis: “Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Todos respiravam felicidade, tudo era delírio”, naquele momento faltou criar as condições e subsídios necessários para que a população negra não fosse marginalizada, mas sim inserida na nossa sociedade.


E o protagonismo da data?


Por que uma data até então tão importante para a história nacional, possui o protagonismo de uma mulher branca? Por que não falar então da pressão que o nosso povo fez ao Estado com sucessivas revoltas e insurgências, como é o caso da Revolta dos Malês que ocorreu aqui na Bahia, uma das mais importantes no cenário nacional? E a ação de abolicionistas negros como é o caso de Luiz Gama, que sozinho libertou mais de 500 pessoas escravizadas? Por que não falarmos também sobre a atividade de associações negras que se juntavam para comprar a carta de alforria uns dos outros?


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Por isso, para além de travar a luta pelos nossos direitos básicos, temos que travar uma luta no campo da memória. Reivindicamos esse lugar de protagonismo dado a Princesa Isabel como a grande heroína, libertadora, salvadora, cristã e piedosa que o Estado brasileiro ajudou a construir no seu processo de formação e de criação dos heróis nacionais, enaltecendo pessoas brancas sem nenhuma relevância REAL em lutas importantes travadas no nosso país. A memória do nosso povo merece ser preservada, e a história deve ser contada e não mais deturpada.


Como foi dito a cima, muitos de nós tiveram um papel central papel central ao mostrar para a sociedade vigente que o regime de escravidão desumanizava os corpos escravizados, assim como, as revoltas e insurgências também foram importantes para quebrar economicamente esse sistema.


Em 1850, quando foi decretado o fim do tráfico de escravos internacional, o Brasil se tornou um país contrabandista. O modo de produção capitalista já estava dando suas caras, principalmente na Inglaterra, e o sistema escravocrata existente do Brasil já deixava de ser tão lucrativo assim. As fugas, os incêndios nas lavouras e senzalas, interceptações de navios negreiros trazendo pessoas negras para serem escravas, fizeram que essa classe burguesa incipiente, que ainda estava para nascer, olhasse a ideia do fim da escravidão como uma oportunidade.


Na construção desse novo capítulo da nossa história, após a abolição, muitos direitos, garantias e oportunidades foram usurpados de forma a não garantir a liberdade real de pessoas pretas. E muitos desses direitos que nos foram negados refletem feridas sistêmicas ainda presentes na nossa sociedade. Ainda sofremos com a subjugação dos nossos corpos, falta de oportunidades, falta de moradia e acesso à educação, à comida e pelo direito à vida.


A luta pela construção da nossa liberdade não acabou no dia 13 de maio de 1888!


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